Contos e crônicas

Tropeções 
Final do dia, numa sexta feira pós feriado, depois de arrastar um dia pouco produtivo mas muito estressante, ela descobre que precisa ainda passar no supermercado! A filha pediu para levar absorventes, a ração do cachorro estava no final e o vinho acabou! Impossível amanhecer inteira no sábado se não tomar uma taça de vinho esta noite!
  O trânsito não facilita, o estacionamento menos ainda, mas conseguiu entrar no mercado! Lotado!
  Que inferno! Será que todas adolescentes menstruaram hoje e todo mundo resolveu beber vinho esta noite?
  Respirar e manter a pose sobre o salto, mesmo com os pés já implorando por socorro!
  Quando num corredor qualquer, entre uma ervilha e outra, cruzou os olhos com o sujeito que trabalhava próximo a ela e despertava calor em todo time feminino num raio de 600 km!
  Interessante mesmo, foi o primeiro pensamento! Assim, numa olhada rápida, descobriu que ele era alto, bem mais alto do que pensava, 1,85 talvez, moreno, cabelos grisalhos e quando percebeu descobriu que tinha os olhos com um castanho escuro demais, meio perturbador! E olhavam para ela de uma distância reduzida demais!
  Ouviu um "Oi, eu conheço você", numa voz segura demais também, como se tivesse além da certeza de que a conhecia,  também a certeza de que ela iria querer conhece-lo ainda melhor. Aquele "oi" soou como "sou irresistível e você vai me querer"!
  Não, ele não foi grosseiro, ao contrário! Rolou alguns poucos minutos de conversa onde ele foi extremamente gentil. Afirmou que sabia que ela trabalhava próximo a ele, que a via estacionando pela manhã e que há tempos queria convida-la para um café!
  Convite sutil, conversa educada, cabelos grisalhos, altura perfeita, idade deliciosa, mas seguro demais!
  Nada de pretensão, nada de soberba, apenas segurança! "Eu sei quem sou, sei o que tenho a oferecer e sei que será bom para você". Parecia que tudo no seu corpo dizia isso!
  Lembrei de uma amiga, uma daquelas que sentia calores por ele, que dizia que a distância podia sentir que o sujeito tinha pegada! Também senti confesso!
  Mas outra sensação bateu mais forte pra mim: a certeza de que não gosto dos seguros demais!
  Não tem jeito. As amigas acham maluquice, infantilidade, falta de gosto, mas ela ama os atrapalhados, os   sem jeito,os perdidos, de óculos e voz que atropela as palavras!
  Se o tal sujeito tivesse tropeçado do alto daquela suas longas pernas, se esparramado na sua frente e dito um desculpe gaguejando, com certeza ela teria ido tomar aquele café!

  Entre escolhas...
  Ele casado. Ela casada.
  Mas mesmo assim ela se encantou a primeira vista. Ele parecia meio perdido no mundo, precisando de colo ou carinho ou cafuné, ou um pouco de cada! 
  Era um kit: "doçura+inteligencia+sorriso lindo+nuca perfeita+educação" tudo numa embalagem de 1,80 m.
  E a conversa rolou fácil, os risos espontâneos, a afinidade imensa. Os encontros ficaram urgentes e logo a sintonia era intimidade.
  E a intimidade foi maravilhosa! 
  Dois itens a mais na embalagem: beijo perfeito+sexo perfeito! Impossível segurar!
  Prometeram que o amor seria só feito, nunca falado. Era mais seguro!
  Mas a conversa era tão fácil, os risos tão espontâneos, a necessidade tão urgente, que acabaram falando de amor!
  Falaram, explicaram, se declararam. Ele as vezes mais assustado, usava outras letras para falar do que sentia. Ela escancarava, declarava, explicitava. E ambos perceberam encantados e assustados que era amor dos grandes!
  Confessaram medos, contaram sonhos, queixavam decepções, compartilharam lágrimas, dificuldades e alegrias. 
  E a conversa ficava cada dia mais fácil, cada dia mais íntima, cada vez mais entregues.
  Os dias passaram tão rápido que logo perceberam que eram anos.
  Logo perceberam que já não tinham mais para onde ir. Aprenderam a lidar com os Natais, os aniversários, as saudades, os ciúmes.
  Cada novo abraço silenciava  os limites e sempre valia muito esperar o próximo beijo.
  Ele repetia que ela o preenchia de vida, o fazia mais bonito e que era "linda, doce e inteligente".
  Ela repetia que ele era seu "maior e melhor amor", e que seu beijo era o melhor lugar do mundo!
  Mas depois de uma conversa qualquer, num esquecimento qualquer, se lembraram que nunca tinham sido somente dois. Eram três, quatro,...onze para ser mais exato!
  Sem saber se era fraqueza ou coragem, resolveram que não poderiam mudar tantas histórias! Já haviam feito isso antes e sabiam o quanto seria difícil!
  E entre as ofensas de quem se sentia ofendida, ameaças e muito choro, escolheram retornar a vida de aparências. Mais calmo se convencer que tinha algo a ser resgatado 
  Amanheceram sem se dar novo bom dia! Perderam seus direitos. 
  Hoje ela ainda fica os mesmos minutos de bobeira na cama depois que acorda e destes minutos nunca conseguiu tira-lo. Ele continua na prece rápida quando pede a Deus para que cuide de quem ela mais ama.
  Besteira achar que seria fácil reinventar outra história. Ele vai continuar ali "de janeiro a janeiro".
  Besteira achar que será fácil ele reinventar outra história. Ela vai continuar lotando seus pensamentos.
  Mas logo ela posta outra foto e assim vão se convencendo que fizeram a escolha certa.
  Devem ter feito...

  Desafios do trabalho
 No principio era apenas um encontro semanal. Apenas trabalho mesmo. Ele entrava na minha sala, conversávamos, resolvíamos o que havia a ser resolvido ele se levantava e saia pela porta.
  Mas, as afinidades foram ficando evidentes, períodos de vida muito parecidos, ainda que não soubéssemos disso, quer dizer, ele não sabia, porque eu o ouvia contar da sua vida toda semana!
  Sabe jeito de bichano carente? Impossível, pra mim pelo menos, não querer colocar no colo, fazer cafuné, alimentar....
  Mas tudo foi complicando...ficando deliciosamente insuportável !Se antes era apenas afinidade, agora era tesão, mas um tesão absurdo, que era alimentado pela postura de homem sério, pelo ambiente de trabalho no qual  nos encontrávamos, pelas alianças em nossos dedos, pelo medo!
  Tentei não notar que minha temperatura elevava, meus batimentos cardíacos aceleravam, eu transpirava, molhava era a palavra mais adequada...Ficou impossível ignorar o que estava acontecendo.
  Até que um dia, logo depois que ele saiu da minha sala, eu já não aguentando mais aquele tesão, aquela vontade que eu sentia dele, peguei o telefone, liguei e pedi que não voltasse mais, expliquei que seria melhor pra nós dois de não nos víssemos novamente! Sinceramente ? Na hora não entendi nada, ele apenas disse um "então tá".
  Como assim então tá ? Será que eu era a única que estava nos abraços mais longos a cada vez que ele se despedia? Ou na proximidade maior da boca a cada beijo na chegada ? Levei meses para descobrir o que significou aquele fatídico "Então tá". "Antena quebrada", coisa de homem casado há séculos, fora do mercado, radar defeituoso, não acreditava que eu estava interessada nele! E eu nem estava mais interessada, estava era subindo pelas paredes....
  Algumas semanas se passaram, e eu não aguentei! Não sei se tive força ou se fui fraca! Sei é que novamente liguei, mas desta vez para pedi-lo que voltasse, que deveríamos continuar trabalhando juntos.
  E ele voltou! Quando entrou pela porta, minhas pernas ficaram bambas, a boca seca, o coração acelerado, meu corpo parecia pegar fogo, mas tentei manter a compostura, tentei apenas trabalhar.
  Que tortura aquela proximidade toda, o cheiro dele preenchia toda minha sala e eu ia ficando cada vez mais molhada, cada vez mais excitada! Que loucura, eu era casada, ele também, conhecíamos nossos respectivos conjuges, sabíamos que era proibido, mas havia ficado impossível ignorarmos o que estava acontecendo naquela sala.
  Foi quando ele me puxou pra si, encostou minha cabeça no seu peito e eu fiquei ali, por longos e deliciosos minutos, respirando seu cheiro, sentindo sua pele perto de mim, querendo desesperadamente experimentar mais, querendo sua boca, seu corpo,...ele então levantou minha cabeça e começou a sussurrar algo do tipo "sabemos que isso é errado,..." mas eu não o deixei terminar a frase. Naquele momento não me interessava mais o certo ou o errado, o que eu podia, ou não. Só me interessava saciar aquela urgência que eu tinha daquele corpo, de conhecer seu gosto, sua boca, de sentir suas mãos me percorrendo.
  E o beijo veio urgente, longo, molhado, intenso, com uma explosão de desejo que eu ainda não havia experimentado, enquanto suas mãos subiam minha blusa, procurando meus seios, se enfiavam pela minha calça, seus dedos procurando por mim, se enfiando dentro de mim, me enlouquecendo, tornando quase impossível conter a vontade de gritar, de gemer alto, afinal estávamos em um ambiente de trabalho....
  Eu me esfreguei nele feito uma gata no cio, queria mais, sentia, apalpava o volume sob suas calças, queria tudo aquilo dentro de mim....
  Mas a razão nos gritou, percebemos que ali seria impossível matar nossa fome,...e tivemos que nos recompor.
  Voltei pra casa suada, despenteada, molhada,...desejando alucinadamente terminar o que começamos. E nós terminamos, mas isso já é outra história !

A.N.





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