sábado, 1 de março de 2014

Olfato

Quando olhei, sabia que era você
Te esperava
Mas não sabia de onde viria
ou quando chegaria
Qual seria a cor do seu olhar
Que som me faria ouvir
E eu fiquei ali, quieta, observando
encantada, atordoada.
Escutei seus sons,
identifiquei seus cheiro
Ela apurou meu olfato, atiçou meus sentidos.
Eu conhecia seu gosto, antes de provar você.
Sabia seus caminhos, antes de percorre-los.
Conhecia seus atalhos, seus obstáculos, seus percalços.
Senti medo dos seus medos,
tive pânico com suas dores,
sofri suas angústias.
E quando a razão me grita,
seu gosto volta pra minha boca,
seu cheiro gruda na minha pele,
e fico assim, querendo você de novo!
Te queria solto.
Me queria livre.
Nos queria antes, bem antes.
Pra me dar o direito de dormir no seu sonho,
aninhada em seu braço,
percorrendo minhas vontades.
Mas o pouco, tão pouco,
instiga, excita, aguça minhas vontades,
alimenta meu sentimento !
-2007

Nua

                                                         

                                                                 
           
                                                 Vamos conversar.
  "Não precisa muito tempo, não será mesmo um diálogo. Eu é que preciso falar. Eu quero falar.
  É, "isso". Posso chamar de isso, porque hoje este sentimento é somente meu.
  Não se arme com medos, não quero te tornar responsável por nada hoje.
  Só quero falar, me despir. Pra mim. Eu preciso me ouvir.
  Não existe outro nome para "isso". Essa mania do medo das palavras, da necessidade dos rótulos certos, tem me tornado outra pessoa.
  E não quero mais ser outra pessoa. Gostava da anterior. Era mais de verdade.
  Mas é a pessoa de verdade que esteve ao seu lado por todo o tempo, tudo foi de verdade.
  Me apaixonei no primeiro instante que te vi. Queria ter ficado ali, te olhando por horas, numa mistura de medo e encantamento.
  E raiva. Afinal por que você demorou tanto ?
  Talvez você não soubesse que eu existia. Eu nem imaginava você !
  Não importa mais. Não é isso o que eu vim  falar.
  Mas já esta ficando insuportável conter a voz, travar as palavras no meio do caminho.
  "Isso" volta a cada oi, a cada beijo, a cada gozo.
  No tchau prolongado, "isso" fica difícil de não aparecer.
  Só me ouça, não fique pálido, tente não suar nas mãos.
  Mas vou gostar se sentir taquicardia, se sua boca secar.
  Vou querer acreditar na troca.
  Me perdoe, esqueci que não estou aqui pra trocar, vim aqui apenas pra falar.
  Eu te amo, é isso ! E "Isso" é simples.
  Meu "isso" é simples. Eu amo e pronto.
  Não quero ouvir nada, nem quero que compreenda meu amor.
  Vim aqui para te contar dele.
  Te falar que ele existe, que "isso" existe.
  E já que falei dele, quero te explicar como ele é.
  É amor, como tantos outros amores que estão por aí.
  Meu amor só andava meio sufocado, apertado, doido pra sair.
  Pra se mostrar pra você, pra te contar onde ele aparece.
  Vou confessar que foi ele que me apresentou você. Eu te amei na hora que te vi. Só não sabia. Ou sabia, mas queria não saber.
  Não precisa me dizer nada, nem pense no jeito que deve me olhar a partir de agora.
  O que deve fazer, o que vai me oferecer em troca.
  Não vim aqui fazer trocas.
  Vim te apresentar meu amor. Para que saiba que ele existe.
  Seja gentil com ele, é só um amor como todos os outros amores, mas é seu.
  Pronto, encerramos nossa conversa agora. Já pode levantar, sair, desligar.
  E eu já posso ir embora, mais leve e mais feliz."
  -2007

Amores

                                                            
                                                                   


  Outro dia numa conversa com uma amiga, nos questionávamos sobre quantos grandes amores vivemos ao longo de uma vida.
  Muito se comenta sobre o "grande amor da nossa vida". É como se esse fosse único, inesquecível, realmente especial. Mas vamos analisar, apenas com a logica.
  Tire a visão romântica da sala e vamos lá : Ali na infância, por volta dos 6,7 anos, encontramos aquele amiguinho lindo q confidenciamos a nossa melhor amiguinha que aquele é nosso namorado. Dividimos o lanche, sentamos juntos no recreio, ele me ensina a colorir bem certinho, eu ensino a recortar os detalhes das figuras. Mas ele nunca soube que nós namorávamos, é claro.
  Depois vamos caminhando para adolescência, e ali, nos 15 anos mais ou menos, encontramos outro amor !  Ah, o amor dos 15 anos ! É intenso, vira nossos dias de pernas pro ar, acaba com nossas noites de sono, prejudica nossas notas no colégio, nos faz descobrir que uma espinha pode ser o grande desafio da vida. Aos 15 anos amamos com uma força avassaladora, enfrentamos o mundo, queremos seguir juntos, afinal este amor é para sempre !
  Mas se aos 15 anos nos sobra emoções tempestivas, nos falta maturidade, discernimento. Precisamos de autorização para viver esse grande amor. Então ele fica pelo caminho.
  Amadurecemos, e num tempo bem próximo, encontramos outro amor. Agora sim, já iniciamos nossa vida profissional, já caminhamos no mundo adulto, vislumbramos um futuro. E queremos construí-lo juntos, pensamos em casamento, analisamos o orçamento, imaginamos a cerimonia, os filhos. Já estamos na casa dos 25, 27 anos. Podemos transformar esse amor, no nosso grande amor! E alguns com certeza farão isso, seguirão para o altar.
  Mas aquela viagem, aquela especialização no exterior, aquele desejo do próprio negocio, da casa própria, da vida própria, fara que outros abandonem mais este amor no trajeto.
  Seguimos, e quando nos aproximamos dos 35, 37 anos, provavelmente encontraremos outro amor. Este sera o amor da urgência. Já estamos estabilizados profissionalmente, compramos carro, casa, temos cartão de credito e cheque especial. Já fizemos Pós, mestrado, e o mais grave, nossas amigas estão todas (ou quase) casadas ! E tem nosso corpo, é claro, nosso relógio biológico esta gritando, queremos reproduzir, precisamos de uma testemunha para o que realizamos.
  Talvez este amor nem seja assim tão especial, nem tão doce como foi aquele que ficou perdido nos 15 anos, mas ja estamos meio sem tempo, melhor então não arriscar !
  Para alguns este sera o "primeiro grande amor", a primeira aliança, (simbolo do amor sem fim,...sem fim ?), mas na contramão, este amor da urgência pode ser o "segundo grande amor".
  Claro, houveram aqueles que transformaram o amor anterior, aquele dos 25, 27 anos, no seu "grande amor", o levaram pro altar, mas depois acabaram percebendo que não era assim tão "grande amor", faltava alguma coisinha. Mas este novo amor, agora bem mais maduro, com certeza sera o "grande amor de nossa vida".
  Este sim, é um amor maduro, seguro. consciente.
  Mas é perigoso. E para as duas situações.
  Quem esta descobrindo seu grande amor pela 1ª vez, esta movido pela urgência biológica, lembra ??? E quem esta descobrindo seu grande amor pela 2ª vez, esta é correndo da besteira que fez quando provavelmente casou com o 3ª amor.
  Mas vamos seguindo.
  Alguns  encerram então sua trajetória de amores. Casaram-se com os 4ª amor, seja por urgência biológica, ou por arrependimento tardio, o motivo pouco importa.
  O que importa é que nesta idade, já nos aproximando dos 40 anos, o melhor é acreditar plenamente que este seja "nosso grande amor". Que diferença faz se foi a urgência biológica, ou a burrice, que o transformou nisso ??
  Mas, quando achávamos que ficaríamos quietinhas, que finalmente estávamos vivendo "nosso grande amor", percebemos que ele já não nos ensina mais nada, como nosso amor dos 7 anos,...não leva nosso coração a boca quando nos beija, como nosso amor dos 15 anos,..não passamos horas discutindo qual filme assistir no cinema como era aos 25 anos,..e nem temos mais a urgência do sexo que tivemos aos 37 anos,...
  E de repente observamos que nosso "grande amor" se transformou em ternura, carinho, ficou morninho !
  Porém a esta altura, muito provavelmente já alcançamos os 48, 50 anos, nossa situação ja esta estabilizada, temos uma família solida,  viajamos em ferias 1 vez por ano, trocamos de carro todo mês de janeiro, os amigos nos consideram um "grande casal". O melhor a fazer é continuar ali, fazendo parte da mobilia.
  E é ai que podemos ser surpreendidos.
  Atropeladas por outro amor ! Nosso grande amor, este é nosso grande amor. Temos tempo para analisa-lo devagarzinho, não temos mais que pedir autorização, não temos mais uma especialização para fazer, nosso relógio biológico já se acalmou, nosso filhos já estão na faculdade, nosso tempo é mais nosso agora !
  Entre medo, susto, surpresa, vamos nos deliciando com aquela pessoa, que se mostra sem pressa, que olhamos sem pressa. Ele vai chegando devagarzinho, se instalando nos nossos dias e quando percebemos a confusão esta armada !
  O mundo ganha a cor dos 7 anos, a força dos 15, a disposição dos 25, a maturidade dos 37. E a paixão que acompanha, tem a força de toda uma vida, a segurança de uma historia que já esta escrita e que pensávamos ousadamente já saber o final.
  Alguns terão a ousadia da juventude, e irão recomeçar.
  Pedir perdão, se justificar, enxugar algumas lagrimas, mas seguirão decididos a viver finalmente "o grande amor".
  Enquanto outros talvez até se permitam viver o "grande amor" clandestinamente, por um tempo com data marcada para acabar, apenas para não terem a sensação da covardia plena, mas depois o deixarão pelo caminho. Vão escolher manter a mobília intacta, onde sempre esteve.
  Para estes o "grande amor" terá se atrasado demais. E deixara apenas o gosto do querer mais, a duvida, o não saber o que poderia ter sido.