sexta-feira, 20 de junho de 2014

Tropeções

  Final do dia, numa sexta feira pós feriado, depois de arrastar um dia pouco produtivo mas muito estressante, ela descobre que precisa ainda passar no supermercado! A filha pediu para levar absorventes, a ração do cachorro estava no final e o vinho acabou! Impossível amanhecer inteira no sábado se não tomar uma taça de vinho esta noite!
  O trânsito não facilita, o estacionamento menos ainda, mas conseguiu entrar no mercado! Lotado!
  Que inferno! Será que todas adolescentes menstruaram hoje e todo mundo resolveu beber vinho esta noite?
  Respirar e manter a pose sobre o salto, mesmo com os pés já implorando por socorro!
  Quando num corredor qualquer, entre uma ervilha e outra, cruzou os olhos com o sujeito que trabalhava próximo a ela e despertava calor em todo time feminino num raio de 600 km!
  Interessante mesmo, foi o primeiro pensamento! Assim, numa olhada rápida, descobriu que ele era alto, bem mais alto do que pensava, 1,85 talvez, moreno,cabelos grisalhos e quando percebeu descobriu que tinha os olhos com um castanho escuro demais, meio perturbador! E olhavam para ela de uma distância reduzida demais!
  Ouviu um "Oi, eu conheço você", numa voz segura demais também, como se tivesse além da certeza de que a conhecia,  também a certeza de que ela iria querer conhece-lo ainda melhor. Aquele "oi" soou como "sou irresistível e você vai me querer"!
  Não, ele não foi grosseiro, ao contrário! Rolou alguns poucos minutos de conversa onde ele foi extremamente gentil. Afirmou que sabia que ela trabalhava próximo a ele, que a via estacionando pela manhã e que há tempos queria convida-la para um café!
  Convite sutil, conversa educada, cabelos grisalhos, altura perfeita, idade deliciosa, mas seguro demais!
  Nada de pretensão, nada de soberba, apenas segurança! "Eu sei quem sou, sei o que tenho a oferecer e sei que será bom para você". Parecia que tudo no seu corpo dizia isso!
  Lembrou de uma amiga, uma daquelas que sentia calores por ele, que dizia que a distância podia sentir que o sujeito tinha pegada! Também sentiu confessou em pensamento!
  Mas outra sensação bateu mais forte: a certeza de que não gostava dos seguros demais!
  Não tem jeito. As amigas acham maluquice, infantilidade, falta de gosto, mas ela ama os atrapalhados, os sem jeito,os perdidos, de óculos e voz que atropela as palavras!
  Se o tal sujeito tivesse tropeçado do alto daquela suas longas pernas, se esparramado na sua frente e dito um desculpe gaguejando, com certeza ela teria ido tomar aquele café!
MM

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Muita coisa

"Talvez você não entenda, talvez até sofra e talvez de uma forma muito egoísta eu prefiro que sofra. Seu sofrimento seria mais uma confirmação do que tivemos!
Tudo o que tem visto e talvez eu também prefira que veja, é somente o lado de fora!
Incoerência ou mentira  tanto faz. O que importa é que a representação, as imagens, as palavras, se tornaram um tipo de necessidade.
Para quem está ao meu lado, porque preciso reafirmar a ele a segurança de que fiquei, de que vou ficar, de que vou tentar e que vou estar inteira.
Para você, porque preciso te convencer de que sou capaz de seguir, de que estou um pouco inteira.
Para quem está ao seu lado, porque preciso convence-la de que acabou, de que estou resgatando minha vida, porque não quero que ela te cobre, te vigie, te sufoque, te ameace, te adoeça.
Para mim, porque preciso reafirmar em gestos, imagens, frases, a escolha que foi feita, talvez assim eu acredite nela e suavize minha saudade.
Aqui dentro, tudo continua muita coisa."
AN
MM

domingo, 1 de junho de 2014

Carta para ex-amante

                                                                             
                                                                                 

"Oi!

  Desculpe, sei que nunca gostou de ser chamado assim, mas não consegui encontrar outra definição. Claro que vivemos uma história, mas para o mundo fomos amantes e pronto!
  Poderia começar falando sobre os meses, dias, minutos que estamos distantes, mas seria desnecessário, isso você também sabe, melhor falar de coisas que você não sabe ainda!  
  Foda a maneira que tudo aconteceu! Da noite pro dia literalmente, perdemos o direito ao bom dia matinal, toda aquela pseudo-baixaria, ofensas, ameaças quando tudo veio a tona, adrenalina demais, medo demais, sofrimento demais!
  As semanas seguintes foram surreais! Tudo que eu queria era dormir, não pensar, não lembrar, não encarar o mundo! Me lembro que a dor era tanta que meu corpo doía, minha pele doía e não ter noticias suas, não saber como estava segurando  tudo que desmoronava ao seu redor, me tirava o ar. Quis gritar, sumir, morrer. Achei que enlouqueceria! Misturou medo, saudade, raiva e eu precisando encarar as pessoas que sem saber de meu inferno particular esperavam de mim  decisões, sorrisos, conversas, atenção!
  Claro que meus pensamentos se confrontavam todo tempo, não vou mentir, por vezes me deixei levar por tudo que ouvi naquela ligação e sentia uma raiva imensa de você. Mas bastava lembrar de pedaços do que vivemos e daquele jeito que só você me olhou para ter certeza de que tudo foi muito maior!  
  Precisei sair, respirar outros ares, ver outra paisagem e tentar ser o mais verdadeira possível com quem estava ao meu lado. Não foi fácil ver meu marido enxugando sem saber, as lágrimas que eu derramava por nós dois. Por mais que ele já tivesse sido sacana comigo no passado, eu estava agindo como ele e eu não era isso!
  Rolou muita conversa, muita lágrima, muita promessa e  eu acabei encarando sem grande expectativa, o único caminho possível: tentar reinventar uma história, repetindo feito um mantra que era minha única escolha!
  Venho buscando estar inteira nesta decisão. Sou grata a Deus e imensamente grata ao meu marido que tem se mostrado paciente, atencioso e muito carinhoso comigo. As vezes sinto até uma quase certeza de que também ele sabe de tudo, de nós dois, do que vivemos estes anos todos, mas escolheu se manter em silêncio e eu escolho respeitar este silêncio então!
  Não é fácil, pelo contrário, tem dias onde manter a pose, preservar o juízo, domesticar a saudade é quase uma tortura! E nestes dias, só o que posso fazer é me afastar um pouco, ficar sozinha pra deixar a saudade chegar e virar lágrima, virar lembrança e mais saudade!
  Ainda fico todas as manhãs de bobeira na cama alguns minutos e você continua presente nestes minutos. Fico pensando no que estaria fazendo, lembrando do som da sua voz, no formato do seu rosto, do seu sorriso...É tão estranho pensar que não estamos mais na vida um do outro!
  Os finais de semana continuam sendo minhas piores saudades!
  O sexo voltou a ser rotina na minha vida conjugal, desculpe, não tinha como evitar! Nas primeiras vezes que aconteceu quase me esvai de tanto chorar depois, sentia uma espécie de pena no meu corpo, como se eu tivesse que falar para ele que a partir de agora seria daquele jeito, com aquela pessoa e que ele deveria esquecer todo restante!
  Já não choro mais, venho ensinando ao meu corpo que não será como era antes e que também ele deve deixar a vida seguir, sem grandes expectativas. Inventei o "sexo racional: "hora de gemer, hora de tocar, hora de gozar". Simples assim! Beijar na boca nunca mais consegui, sei lá, gostava era da sua boca, do seu beijo!
   Você vai fazer parte da minha vida, dos meus dias, até meu último janeiro, não tenho dúvida disso. Me fez mais forte, mais segura, mais bonita, me conheço mais, sei que mereço mais e devo isso a você, que nestes anos todos fez eu me sentir a mais amada, admirada e desejada das mulheres! Quero muito que com você tenha acontecido o mesmo, que hoje você também se veja como realmente é, um homem lindo, avesso e direito e que merece todo amor e admiração do mundo!
   O "não saber"  é um porre! Nunca mais tive notícias suas, te procuro com os olhos dentro de cada carro igual ao seu que vejo nas ruas. Não sei se tem se alimentado direito, se tem cuidado bem de você, se continua indo a terapia, ao mesmo supermercado, se retomou a atividade física, se tem  rezado, como foram as últimas consultas, se tem pensado em mim... 
  No fundo acho que é isso o que mais queria saber,...se ainda pensa em mim. Egoísta eu sei! 
  Mas também queria muito saber como está passando, te olhar com calma mais uma vez, poder me despedir, tentar ter certeza de que sabe o quanto foi amado, de que ainda se lembra daquele jeito que dizia que eu te olhava depois que fazíamos amor...
  De certo modo ainda existe uma singularidade: antes também tínhamos que "racionalizar o sexo" para cumprirmos os jogos de tabela em casa, ainda posávamos em fotos sorrindo e morrendo de saudades, ainda sentíamos falta do abraço, da conversa, da presença, mas sabíamos que logo teríamos um ao outro novamente. Hoje racionalizo o sexo, poso em fotos sentindo saudade, desejo a presença, a pele, o beijo, mas sabendo que é só isso que tenho: saudade! 
  Os dias viraram semanas rápido demais, tempo suficiente para eu descobrir que não sei ser "meio".
  Como eu explico para meu corpo que ele tem que arrepiar com o toque, molhar quando for acariciado, gemer quando for penetrado? Depois de tudo o que senti com você, racionalizar o sexo é uma merda! Sinto uma puta falta de cada pedacinho de você, de nós dois, daquele jeito que me apertava, do gosto da sua boca, das suas histórias, do som do seu sorriso, do bom dia matinal. Tá foda sem você! Mesmo com esta barba por fazer que cismou de deixar e que irritava tanto minha pele! 
  Devo rir das brincadeiras, me envolver nas histórias contadas, partilhar e compartilhar os momentos, me entregar ao dia a dia. 
  E se a única pele que me arrepia é a sua?
  Acho suas histórias mais engraçadas, seu sorriso mais bonito, seu sabor mais gostoso, sua presença mais necessária, sua inteligencia mais excitante.
  Meu único arrependimento é não ter dito que recomeçaria ao seu lado sim. 
  Confessaria nossa história, escreveria outra história, declarava meus sentimentos, enfrentaria olhares e vozes, enxugaria lágrimas explicando e acreditando que nada pode ser mais certo neste mundo do que amar tanto assim. E depois do susto, sei todos sobreviveriam!
  Mas deixei passar. Por fraqueza e medo de parecer estar forçando uma barra.
  Acredite, são somente fotos, imagens, tentativas doidas e doídas buscando me convencer de que estou conseguindo, de que dá pra ser  feliz mesmo longe de você! Preciso me convencer e te convencer acho!
  Mas é burrice  continuar negando  que teria chutado o balde sim, só para poder acordar do seu lado todos os dias! 
  Ainda sinto uma vontade absurda de abraçar o seu abraço..."
AN